sábado, 5 de junho de 2010

O que dizem de nós...por Presentación Gonzalez (08/08/2008)

Fui assistir ao espetáculo de Daniel e aconselho a você que lê: também o faça se ainda der tempo. Caso contrário, se já houver terminado essa temporada, aguarde a próxima porque vale a pena.
O Espetáculo é daqueles em que tudo se encaixa. A começar pelo título. Realmente, tudo é uma visão de Daniel sobre o flamenco...e que bela visão ele tem.
Vou começar pela escolha do teatro. Coincidência ou não, o fato é que ao entrar no local não se consegue saber onde termina o cenário e onde começa a platéia. Até porque nesse espetáculo um não termina e o outro não começa. Ao esperar na fila para entrar podíamos ouvir o som daquilo que julgávamos ser o “ensaio”. Quando entramos, porém a sensação que tive é que estava atrasada para algo que já havia começado. Todo o grupo estava em palco e não encenavam...realmente estavam ali, conversando, brincando, ensaiando, tirando dúvidas. Era o ambiente deles, o momento deles e somente ao último sinal prestaram atenção em nós.
E, então, fomos convidados para “brincar” com eles...
Tudo transpira liberdade no show: o teatro, a troca de olhares entre eles, a sedução à platéia (aliás, penso que ao menos meio teatro deve ter se rendido aos olhares, beijos e piscadelas de Daniel). Não há uma formalidade rígida de grupo. De padrão, apenas o vermelho e o preto porque todo resto é dirigido de forma livre. Cada penteado ao seu gosto, cada roupa ao estilo de cada bailaora. Nada de troca de figurino - isso era o que menos importava ali - nada de cenário, nada de alta produção...apenas a arte de cada um – duas guitarras, uma voz e 5 bailaores.
Daniel acertou em cheio! Um grande flamencólogo de Madrid afirma que o excesso de glamour no flamenco o está matando. Flamenco é arte de povo, arte de rua, arte que brota e é parida em um único instante e todo além é fútil, supérfluo. Ali, apenas “sentir” importava e todo o mais – inclusive nós, platéia – rendeu-se a isso.
A liberdade está também no repertório. Sim, Daniel passou pela sevillana, fandangos, bulerias, tarantos e nos presenteou, também, com expressões totalmente contemporâneas. De fato, um flamenco por Moura, contemporâneo, flamenco, ator.
Aplausos de pé para a linda Maria Chacón. Conversei com ela no final do espetáculo. Além do flamenco ela canta uma música de “Ojos de Brujo” e ainda brinda o público com uma Nana e com a música “Anda Jaleo”, ambas compilações de canções e letras espanholas feitas por Manuel de Falla e Garcia Lorca. Ainda que apenas fosse para ouvir Maria cantando, o espetáculo já valeria a pena.
Linda a cena final do espetáculo. Fica na memória de quem sai do teatro. Mas sobre ela, não da pra contar. Melhor conferir ao vivo.
Parabéns meu querido Daniel, parabéns ao grupo Flamencantes e obrigada pela maravilhosa noite!

Release do espetáculo "Entre Carmens e Severinas"

O espetáculo Entre Carmens e Severinas, novo trabalho do grupo Flamencantes (Flamenco por Moura e Al compás de Mariita), combina a dança flamenca à cultura nordestina. Na construção da dramaturgia da encenação, o diretor Daniel Moura recorreu aos elementos da escrita de cordel para costurar uma trajetória entre música e baile. O cordel, feito especialmente para o espetáculo, tem autoria de Dulcila Torres e é interpretado ao vivo por Ivete Andrade acompanhada dos músicos Eduardo Bertussi, o diretor musical, e Ricardo Cathala.

As músicas cantadas em português, em sua maioria, são de compositores nordestinos. A escolha partiu de um olhar que teve o feminino como ponto de partida. O roteiro do espetáculo sugere uma sutil passagem por aspectos da vida de uma mulher desde o seu desabrochar como o “mandacaru que fulorá na seca” até a dualidade dos seus sentimentos representados “entre a serpente e a estrela”.

O figurino de Entre Carmens e Severinas, assim como a escolha das músicas e do cordel, foi construído a partir da escolha de alguns elementos recorrentes maneira de vestir e no modo de utilização de tecidos em decorações, reconhecíveis em algumas capitais nordestinas. O fuxico e a renda foram os primeiros elementos pensados na composição dos trajes, a idéia era vestir as roupas freqüentemente usadas nesta dança, com peças e adereços feitos deste material. A juta e o algodão grosso são outros elementos que contribuíram na constituição de uma idéia de vestir mais rústico somado ao traje flamenco. Bicos de renda, crochê e recortes de chita contribuem para um acabamento mais refinado em contraste com as texturas mais rugosas da juta e do algodão grosso, por exemplo. A orientação do figurino é de André Masseno e a execução é de Vivanice Borges.

Entrevista com Daniel Moura

Tribuna da Bahia - A Bahia é uma terra de ritmos, cores e musicalidade. Como o flamenco emerge nesse universo?
Daniel Moura - Embora a porção de espanhóis residentes na Bahia seja eminentemente galega, o flamenco ganha espaço justamente por essas aproximações rítmicas e por ser uma dança de características fortes, viris e sensuais. Assim, o flamenco emerge com seus toques de guitarra e cajon fazendo com que o baiano seja instigado a experimentar essa dança em suas variadas formas de representação. Existem ritmos que se aproximam mais de uma identificação musical como as rumbas e os tangos. As rumbas com o canto mais descontraído e uma marcação muito próxima da salsa e os tangos que têm compassos semelhantes às composições das músicas populares. A sensualidade e virilidade de alguns bailes, também são fortes influências na manutenção do flamenco no universo baiano.

TB - O que o público pode esperar do espetáculo “Entre Carmens e Severinas”?
Daniel Moura - Depois de algumas experimentações feitas em espetáculos anteriores como Flamenco por Moura (2007) e Al compás de Mariita (2008), desta vez trago para o flamenco, mais especificamente na música, referências da cultura nordestina. As músicas cantadas em português, em sua maioria, são de compositores nordestinos. Esta escolha partiu de um olhar que teve o feminino como premissa. A organização dramatúrgica sugere uma sutil passagem por aspectos da vida de uma e muitas mulheres, desde o seu desabrochar como o “mandacaru que fulorá na seca” até a dualidade dos seus sentimentos representados “entre a serpente e a estrela”. No espetáculo Entre Carmens e Severinas, a estética da escrita de cordel projeta uma construção dramatúrgica na encenação, costurando uma trajetória entre os acontecimentos, estabelecendo relações entre música e baile. Desta forma, com esses elementos acredito que o público vai se deparar com uma composição harmônica de culturas que compartilham suas peculiaridades em função da arte.

O que dizem de nós...por Marcio Walter Machado

DOMINGO, DEZEMBRO 20, 2009

Flamenco Nordestino - GRUPO FLAMENCANTES


Primeiro, as luzes se apagam e vem o silêncio; depois, o som da flauta transversal inunda o teatro com seu lamento doce e triste que se une à voz forte de Ivete Andrade e sua música Severina. Então, iluminados pelo sol poente e causticante do cenário árido a que as composições e o som queixoso de melodias nordestinas nos remetem, os dançarinos entram no palco.

Sobre eles os holofotes lançam feixes de luzes alaranjadas e vermelhas para introduzir-nos na dança sanguínea que em poucos minutos arrebatará nossa atenção inteira e nos extasiará por mais de uma hora.

No requebro de quadris femininos divinamente sensuais, na batida forte dos pés sobre o tablado, nas palmas cadenciadas que alternam em seu ritmo as batidas fortes, fracas, feitas de segundos de suspensão como estava o coração dos espectadores, surgem as Carmens com seus longos vestidos rodados, suas rosas nos cabelos amarrados em coque e seu jeito altivo, imperioso, soberano, de mulheres andaluzas.

Histórias se contam, abandonos, amores bandidos, meninas se tornam mulheres, o luar cobre o sertão. Vemos mãos se transformando em movimentos ora leves ora frenéticos e nos fazendo lembrar de animais de simbolismos ancestrais: o cisne dançando para encantar o deus, a serpente astuta que seduz o viajante incauto, a mulher
de olhar agatiado e a ararinha azul se emplumando sobre os troncos secos do árido nordeste. Somos lançados sem dó ou piedade no palco para onde nossos olhos foram arrastados e onde por alguns pares de minutos nos deixamos escravizar pela beleza re-lida, nordestinizada, de um flamenco sincrético.

Os vestidos rodam, sobem, descem no compasso da música. As Carmens Severinas obedecem ao comando de Daniel Moura - um tom de leve masculinidade sobre o império das fêmeas -, se submetem à sua ordem, para depois conquistá-lo sutilmente, violentamente, inescapavelmente, com sua dança morna que vai tomando ares de calores desérticos ao passo em que os sons do sapateado, misturados aos instrumentos de corda e à percussão, ressoam na sala.

Entre as deusas desse Parnasso hispânico-nordestino, Tatiana Simas surge majestosa. Seu vestido amarelo se destaca entre o vermelho, laranja, ocre de suas companheiras. Naquele deserto de fados brasileiros, ela é o girassol que se abre não para absorver do astro rei, mas para irradiar uma beleza, uma tepidez, uma luz que nos hipnotiza durante todo o tempo de sua permanência em cena – ela se basta. Acompanhamos, arrebatados, cada ato, cada gesticular de braços, mãos e dedos, cada sinuosidade da dança lasciva, forte, inocente e de queixas solitárias, cada expressão dura naquele rosto suave de traços firmes, cada palavra muda que seu olhar lança sobre nós – ela e seus colegas são o sol em todo o seu esplendor, e nós, os espectadores, os astros que comovidos e submissos pedimos permissão para orbitar em sua galáxia durante os atos idiossincráticos de sua dança.

Na inovação que se dá em cada ato, os dançarinos, senhores da dança toda sua peculiar, nem nos deixam sentir falta das tradicionais castanholas, pelo contrário, fazem homem, menino, menina, mulher irem ao delírio, não conterem palmas, urras, assobios. E por fim, flores lançadas ao palco, deixam descansar os pés para receberem os aplausos dos que, em estado de graça, assistiram, na última sexta-feira, ao espetáculo benevolentemente trazido ao público por aqueles filhos de Terpsícore que ali estavam diante de nós.

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